sexta-feira, 25 de julho de 2008

As Memória do Livro – de Geraldine Brooks







Acabo de ler este belo romance sobre o manuscrito de Sarajevo (o mais conhecido manuscrito judaico da era medieval).


Trata-se de uma excelente história que nos remete a cada capítulo a dois pontos distintos de uma mesma história, no caso a do “Hagadá de Sarajevo”.
A pesquisadora e restauradora de livros, Hanna faz suas descobertas durante sua pesquisa nesta belíssima “obra-prima”, e nós vamos nos fascinando cada vez mais com a história que há por traz de cada uma destas descobertas, desde a criação do manuscrito até como ele chegou a Sarajevo, na Bósnia e permanece lá até hoje, agora sendo exibido ao público no Museu Nacional.

O que mais gosto é que grande parte desta história é verdade.

A história verdadeira:
Encomendado para ser um presente de casamento, o manuscrito é de um requinte extraordinário, tendo sido confeccionado para caber na palma da mão. É composto por 109 páginas de pergaminho branco, cuidadosamente manuscritas e decoradas com iluminuras em ouro e bronze e cores vivas, como vermelho e azul. Produzida de acordo com as tradições sefaraditas, em estilo gótico-italiano predominante à época, na Catalunha, a Hagadá contém o brasão do Reino de Aragão.



O documento, cujo texto foi inserido em painéis com iniciais decoradas, além de piyutim decorados, possui 34 miniaturas de página inteira. Estas representam uma variedade de assuntos, incluindo a Criação, Moisés no Monte Sinai com as Tábuas da Lei, além de ilustrações estilizadas do Grande Templo e de uma sinagoga espanhola. Marcas de seu uso em sedarim passados podem ser vistas em alguma de suas páginas. São manchas de vinho, anotações de adultos e rabiscos de crianças.

História

Em 1492, com a expulsão dos judeus da Espanha, iniciou-se a odisséia dos judeus sefaraditas em busca de um novo lar. A Hagadá também compartilhou este destino. Esteve na Itália, em Dubrovnik e, finalmente, no início do séc. XVI chegou a Sarajevo, na atual Bósnia, onde permaneceu até a atualidade, apesar de todos os percalços. Naquela época Sarajevo fazia parte do Império Otomano e seus governantes concordaram em acolher os judeus vindo da Espanha. Em 1566, o paxá Sijavus permitiu a construção de uma sinagoga, considerada até hoje uma das mais importantes construções históricas de Sarajevo.


Ficando esquecido durante séculos, longe dos holofotes, fazendo parte da vida de uma família judia da cidade - os Cohens. Séculos mais tarde, devido a uma série de problemas financeiros enfrentados pela família, o documento reapareceu no cenário histórico. Em 1894, um de seus descendentes o vendeu por uma ninharia e o manuscrito medieval passou a fazer parte do acervo do recém-fundado Museu Nacional da Bósnia.

No final do século XIX, a Bósnia fazia parte do Império Austro-húngaro. Por isso, após ter adquirido a Hagadá, o Museu a enviou a Viena para ser analisada por peritos, lá permanecendo por mais de uma década. Por causa da morte do especialista que deveria avaliá-la, a Hagadá ficou praticamente esquecida em seu estúdio. Só retornou ao Museu de Sarajevo após o término da Primeira Guerra Mundial, depois de inúmeras solicitações da instituição. Desde então, passou a ser conhecida como a “Hagadá de Sarajevo”, famosa entre os colecionadores de manuscritos raros.

Mas as aventuras da Hagadá de Sarajevo estavam longe de terminar. O século XX foi o mais conturbado na história do manuscrito. Em abril de 1941, quando os nazistas entraram em Sarajevo, um general alemão foi ao Museu para “confiscar” a obra. O general alemão ordenou uma busca imediata no Museu, mas nada foi encontrado.
O oficial da Gestapo, porém, confiscou outros documentos valiosos, retirando-os dos Arquivos da Comunidade Judaica de Sarajevo, entre os quais os chamados “Pinkes”, ou seja, anais, como por exemplo os da comunidade sefaradita de Dubrovnik, datados a partir de 1600. Esta foi uma perda irreparável para a cultura judaica e croata.

Enquanto a fúria nazista matava milhões de judeus, a Hagadá estava a salvo. Há quem diga que estava escondida sob o pavimento de uma mesquita; outros, debaixo do assoalho de uma casa.

Durante a guerra civil de 1992 a 1995, na Bósnia-Herzegovina, o manuscrito novamente desapareceu. Mais uma vez, teve que ser salvo da destruição. As forças sérvias da Bósnia mantiveram Sarajevo sob acirrado cerco e pesado bombardeio durante três anos. O museu estava na linha de fogo e foi várias vezes atingido. Nesse conflito, o manuscrito foi salvo por um funcio-nário muçulmano que o escondeu até o final da guerra.

Na época, vários rumores circularam em Sarajevo a respeito do destino da preciosa Hagadá. Alguns afirmavam que o governo a teria vendido para comprar armas; outros acreditavam estivesse em um estado tão lastimável que o governo tinha vergonha de exibi-la. Em Pessach de 1995, finalmente o manuscrito foi exibido para a comunidade judaica de Sarajevo pelo então presidente Alija Izetbegovic e pelo ministro da cultura. No entanto, ambos se negaram a revelar o local onde estivera guardado.Durante todo o século XX, a Hagadá só foi exposta em três ocasiões: em 1965, 1988 e 1995.

É considerada por especialistas como um dos mais valiosos objetos sacros judaicos. Há alguns anos, a comunidade judaica da Bósnia fez um apelo às Nações Unidas para que ajudasse na restauração e preservação do manuscrito. O pedido foi feito durante uma visita de uma missão da ONU ao país, encabeçada pelo diplomata norte-americano Jacques Paul Klein, que respondeu prontamente implantando um amplo programa de restauro, encerrado no ano passado. A Hagadá está em exibição em uma sala especialmente construída com doações internacionais e locais. O custo total deste projeto foi de aproximadamente US$ 120 mil. O manuscrito foi restaurado na Academia Estadual de Belas Artes de Stuttgart, sob a coordenação do perito Andrea Pataki, com ampla experiência em documentos raros em Israel e nos Estados Unidos.

A comunidade judaica da Bósnia-Herzegovina possui atualmente cerca de mil membros. Segundo Jakob Finci, presidente da comunidade, a construção de um lugar especial para a Hagadá possui um significado muito grande para todo o país. Na noite de inauguração da exibição, ele afirmou que “a odisséia da Hagadá de Sarajevo chegou ao fim. O manuscrito está em casa. Testemunhou a coragem, a determinação e o triunfo da humanidade sobre o espírito do mal, permanecendo como um símbolo de esperança e tolerância”.

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